De que forma as crianças estão lidando com o isolamento social?

Jessica Montanha
7 min readApr 8, 2020

--

Crianças se adaptam melhor ao isolamento social gerado pela pandemia do coronavírus

Desde a chegada do novo coronavírus no Brasil, milhares de adultos e crianças foram obrigados a permanecer em casa. Os adultos se adaptam às suas novas rotinas de trabalho, mas também existe a adaptação ao isolamento social. Com as crianças, o momento atípico não está sendo muito diferente

Segundo a publicação do Fundo das Nações Unidas (Unicef), 154 milhões de crianças da América Latina e Caribe estão sem aulas por causa da pandemia do novo coronavírus. O número que representa 95% do total de crianças desta região, foi divulgado no dia 23 de março. Devido a medidas de isolamento social decretadas para evitar a propagação da Covid-19, milhões de crianças estão dentro de suas residências 24 horas por dia. Sem aulas e sem poder sair de casa, elas tentam se adaptar a uma rotina inédita. A Beta Redação conversou com três crianças, moradoras de Porto Alegre (RS), para entender a partir das suas perspectivas o que todos nós devemos e o que não podemos fazer durante a quarentena.

Crianças ensinam como combater o coronavírus

A gravidade da pandemia é vista com muita autenticidade pela Julia Montanha, de apenas 5 anos: “o coronavirus tá matando todo mundo, é um bichinho que faz muito mal”. Com sabedoria infantil, Julia complementa rindo “sabia que eu coloquei um apelido nele? Chamo de cocovírus.” A coordenadora de departamento pessoal e mãe da Julia, Vanessa Montanha, 37 anos, segue trabalhando normalmente, mas com os devidos cuidados, conforme ela afirma “ a Ju está me surpreendendo com o isolamento social, ela adora sair e passear, mas está entendendo super bem a importância do porquê estamos e temos que ficar em casa, ficou claro que temos que lavar as mãos com sabão e também utilizar o álcool gel, colocar o antebraço sobre o rosto para espirrar”. Vanessa comenta que se tornou mais cansativo fazer as atividades escolares em casa “Fiquei mais sobrecarregada, além da carga horária do trabalho, tenho que realizar com a Julia as atividades escolares colocadas no aplicativo da escola semanalmente. Claro que é prazeroso, sim, mas também cansativo” ressalta.

Julia, de 5 anos, realiza atividades escolares em casa. (Fotos: Arquivo pessoal)

Já, o Henrique Lemos, de 11 anos, comenta que apesar de querer sair, entende que o isolamento social é por um bem maior “Queria muito sair, brincar em uma praça e jogar bola, mas se é para o bem de todos, estou ciente que ficar em casa é melhor”,enfatiza. Eliane Lemos, 37 anos, mãe do Henrique é bombeira civil, afirma que a rotina entre eles não mudou muito, mas em relação ao pai está diferente. “Eu fico mais tempo com ele em casa, mas da parte do pai, já mudou bastante, porque o Júnior (pai) tem mais convívio com ele agora.” Sobre os cuidados necessários para evitar o contágio e informações da pandemia, Eliane explica como aborda o assunto com o filho “Como ele está fazendo muitos trabalhos da escola, então, é frequente aparecer alguma notícia. Tem vezes que ele pergunta para a gente e nós respondemos, somos muito abertos com ele”. Henrique sabe que é uma doença perigosa, pode levar a morte, então, é preciso ter todos os cuidados.

Henrique, de 11 anos, entende a necessidade do isolamento social. (Fotos: Arquivo pessoal)

Para a Manuela Luge, de 9 anos, os cuidados para evitar o contágio estão na ponta da língua “lavar as mãos por 25 segundos, passar álcool em gel e evitar sair de casa”. Manuela já faz planos para quando a pandemia passar “quando acabar o isolamento, eu quero ir para a escola, por que eu tô morrendo de saudades das minhas coleguinhas e da minha professora. Também quero ir para a minha vó e poder brincar com meus primos. E eu quero sair com a minha mãe e o meu pai para ir ao mercado, e ir ao parque com o meu irmão” diz. A mãe da Manuela, Rosana Luge, de 32 anos, que trabalha na área de departamento pessoal, também é mãe do Felipe de 11 anos e comenta a consciência das crianças sobre a pandemia “eles entendem que no momento devemos evitar o máximo sair de casa, por causa do vírus”, ressalta. Rosana fala sobre a mudança no dia-a-dia devido a quarentena ”a rotina de casa mudou, passamos mais tempo juntos, aderimos brincadeiras e jogos com eles”.

Manuela, de 9 anos, mantém rotina diária entre estudos e lazer (Fotos: Arquivo pessoal)

Rotina, organização, metas curtas e empatia

A psicóloga Aline Sá Copetti, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, conversou com a Beta Redação, a partir da perspectiva dela, que continua atendendo de forma remota e online, sobre como está o estado mental de adultos e crianças no meio dessa pandemia: “É muito singular o estado mental de cada indivíduo.Todos nós somos bastante afetados sobre a questão da pandemia, porque envolve muitos limites, e muitas emoções das mais desagradáveis, como o medo”. A psicóloga confirma que temos que saber lidar com as frustrações e tanto os adultos quanto as crianças podem ficar mais ansiosas pelas diferenças nas rotinas e modificações de atividades.

A psicóloga Aline Copetti é especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (Foto: Arquivo pessoal)

Conforme Copetti, cada criança vai ser afetada de uma forma que o contexto familiar, que já existe, vai contribuir positivamente ou não. “Os pais ou responsáveis também têm que desenvolver habilidades para poder explicar para a criança todos esses momentos, de que talvez a gente não saiba quanto tempo vai durar o isolamento, mas de trazer bem para o momento presente, de que a gente vai fazer as atividades do dia e que amanhã é outro dia, fazer metas curtas, poder também manejar com as frustrações de não poder sair para brincar ou de visitar amigos e familiares. Depende de cada família e de cada abordagem”, afirma.

Copetti reforça a necessidade e importância de se ter uma rotina durante o isolamento social tanto pelo bem dos pais e das crianças “rotina e organização é fundamental para a saúde mental de cada pessoa. A criança tem que ter um horário para dormir, para acordar, para os estudos, para o lazer e integração com a família. Nesse momento, tem que se reinventar e tem que colocar uma rotina, se não a criança fica muito solta, talvez as atividades não sejam cumpridas, tornando uma fonte de muita angústia e ansiedade, tanto para os pais quanto para as crianças” enfatiza.

No aspecto de entretenimento para as crianças, Copetti confirma a necessidade de limitar o acesso às tecnologias e que esse é o momento ideal para se utilizar coisas que já se tem em casa e que não estavam sendo usadas pela família. “Tablets e smartphones livres, nunca são uma boa opção! A gente tem que dar limite, claro que isso varia de acordo com a idade. Para crianças pequenas é indicado menos tempo, tudo tem que ser negociado. Agora, a gente vai usar muito da criatividade. Pode até usar as tecnologias para ver ideias criativas, trabalhos manuais com tinta, usar sucatas, atividades que possam ter o envolvimento de toda a família, como jogos. Utilizar de todas as coisas que já se tem em casa, que talvez não estavam sendo acessados”, ressalta.

Segundo Copetti, nessa situação de isolamento social as crianças estão mais felizes, por que tem a presença de pais ou responsáveis que antes estavam trabalhando sempre fora e que não tinham tempo nem de almoçar em casa. “Na minha experiência, os pais e os filhos estão se sentido mais próximos devido a essa rotina, estão tendo muitos hábitos saudáveis” afirma. Sobre empatia, Copetti explica que esse é o momento fundamental para ensinarmos as crianças sobre empatia, da necessidade das crianças também aprenderem a se colocar no lugar dos outros: “É uma ótima oportunidade para os pais ou responsáveis instruírem as crianças a ajudar nas tarefas de casa, ter mais respeito, e escutar nos momentos em que for preciso de mais atenção. O momento é oportuno para instruir as crianças a pensarem no coletivo”, diz.

--

--