O sertão está em toda parte

Jessica Montanha
4 min readJun 25, 2018

--

Coletivo de jornalismo cultural, alternativo e independente mostra que não podemos ser reduzidos a um conceito a uma categoria

Apadrinhados por João Guimarães Rosa e inspirados na obra Grande Sertão: Veredas, do autor, Nonada — Jornalismo Travessia é um coletivo de jornalismo cultural alternativo. Nascido em Porto Alegre, em 2010, o grupo de pelo menos quinze jovens engajados e preocupados, sem renda ou sede fixa, ou necessidade de empreender, expressa a diversidade por puro amor. Nasceu não para ficar nascido. Nascer todos os dias faz parte da travessia. E é nessa travessia que desenvolvem temas relacionados aos direitos humanos: cultura popular, cultura feminista, cultura quilombola, cultura LGBT+ e tantas outras culturas que lhes permitem crescer em conjunto.

A palavra nonada abre o livro o Grande Sertão. Já travessia é o último soar dele. O sertão de Guimarães está em toda parte. Mas em toda parte o sertão é o lugar último que alguém quer ver. Por isso, é o lugar que se deve contar, assim como uma obrigação dos jornalistas. O homem desse sertão das Gerais, de Guimarães, expressa a presença dos problemas que o transcendem. Questões que inspiram e transpiram as matérias humanas do coletivo Nonada. Questões pelas quais os jornalistas não podem apenas correr os olhos. Segue exemplo da Djamila Ribeiro.

Fazer um jornalismo independente é a grande questão do coletivo. Eles não pretendem empreender ou ficar na barra da saia de patrão. Até têm outra válvula de escape para arcar com despesas como qualquer ser humano, mas válvula de escape mesmo é fazer parte desse grupo. Culturas são plurais e pulsantes. Alguém precisa dar voz e vez a elas. Expressar os direitos humanos, por meio de matérias diversificadas, é um jeito eficaz e interessante socialmente de mostrar a todos que grupos humanos não podem ser reduzidos a um conceito ou a uma categoria.

Há quem se refira aos direitos humanos como balela de quem defende bandido. “Nós entendemos os direitos humanos como igualdade de direitos para todas as pessoas. No caso, especificamente no Brasil, ainda falta muita igualdade de gênero, de etnia. Então a gente foca nesses nichos específicos. Inclusive, no art. 6º, inciso I, do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros está escrito que todo jornalista deve defender os direitos humanos. Mas muitos jornalistas esquecem disso em prol dos interesses econômicos da sua empresa”, deixou claro a editora do coletivo, Thaís Seganfredo.

Eles convergem com as principais mídias — as mais conhecidas: Twitter, Instagram, Facebook e o próprio site. As matérias são disponibilizadas de forma integrada nas três redes.

Os editores

Thaís Seganfredo e Rafael Gloria são dois dos cinco editores do coletivo. Juntos eles buscam novas formas de se fazer um bom jornalismo cultural.

O livro

Na tentativa de se dar um significado à palavra nonada, muito provavelmente um dos tantos neologismos de Guimarães, concluí-se que ela pode ser a junção de “não é nada”. Na correria do dia a dia dos jagunços mais a fome, até as palavras ditas às pressas são comidas. Tornam-se uma. Por pouco nonada fecharia o livro. “Amigos somos. Nonada” (ROSA, 2015, p. 492), mas foi travessia que tomou o lugar. “Existe é homem humano. Travessia” (ROSA, 2015, p. 492). Algo no sentido de não sermos nada sem as andanças da vida. Ou algo no sentido de: somos a dignidade da pessoa humana em carne e osso, e somos todos iguais apesar das nossas desigualdades positivas.

A palavra travessia, por sua vez, é mais fácil de compreender. “Eu atravesso as coisas — e no meio da travessia não vejo! — só estava era entretido na ideia dos lugares de saída e de chegada” (ROSA, 2015, p. 41). “Um está sempre no escuro, só no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia” (ROSA, 2015, p. 63).

As travessias que a vida nos faz passar, de modo geral, não somente move os componentes do grupo, mas o trabalho do grupo por assim dizer. “Travessia é amadurecimento, é aprendizado. O jornalismo cultural é isso. E ele nos coloca acima de condição superior”, enfatizou o editor-fundador, Rafael Glória. Grande Sertão aborda muito bem essas travessias. Durante os caminhos percorridos pelo jagunço Riobaldo, ele esbarra com o também jagunço Diadorim. No fim, Riobaldo entende que o que sente por Diadorim é amor. E esse acontecimento está além do sertão. Um direito humano, dentre tantos outros, motivadores do Nonada.

Produzido por: Bruna Schlisting, Guilherme Machado e Jéssica Montanha

--

--